HOMILIA DIÁRIA
LUCAS 9,46-50
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Aquele que entre todos vós for
o menor, esse é o maior.

Caríssimos irmãos,

O Evangelho de hoje, segundo o Evangelista Lucas (9,46-50) nos coloca diante de uma das lições mais importantes e “insensatas” que Cristo oferece aos seus discípulos: “Aquele que entre todos vós for o menor, esse é o maior”. Este ensinamento contradiz profundamente nossa lógica humana, pois, em um mundo governado pela ambição, pelo poder e pelo desejo de reconhecimento, Jesus nos convida a uma inversão completa de valores, onde o maior não é aquele que se eleva sobre os outros, mas aquele que se abaixa em humildade.

A pergunta inicial dos discípulos: “Quem será o maior no Reino dos Céus?”, mostra uma inquietação comum à humanidade, e, infelizmente, à nossa Comunidade Católica: a busca por destaque, por cargos, pela afirmação de uma posição de superioridade. No entanto, Jesus responde a essa inquietação não com uma condenação direta ou radical, mas com uma revelação: no Reino de Deus, os critérios de grandeza são outros. O Reino dos Céus não é como os reinos deste mundo. Não se baseia no poder que subjuga, mas na autoridade que serve; não se define pela acumulação de honrarias, títulos, “cores” da batina, mas pelo esvaziamento de si em prol do outro.

A teologia da humildade que move esse ensinamento nos remete à própria kenosis, o autoesvaziamento de Cristo, descrito na Carta aos Filipenses, como bem rezamos na Liturgia das Horas(2,6-11). Jesus, sendo Deus, não considerou sua igualdade com Deus como algo a ser usado em benefício próprio, mas se fez servo, assumindo a condição humana e, mais do que isso, tornando-se obediente até a morte. E morte esta de cruz. O caminho de Jesus é o caminho do servo sofredor, da humilhação que conduz à exaltação, da morte que gera vida.

Quando Jesus diz que o menor entre todos é o maior, Ele não está propondo uma simples estratégia de virtude moral (por meio das mentiras e falsidades humanas), mas revelando a estrutura profunda do ser humano criado à imagem de Deus. O ser humano é chamado à comunhão, à doação, à participação no amor divino, e é somente nesse ato de esvaziar-se de si mesmo que ele pode alcançar a plenitude do seu ser. A grandeza, aos olhos de Deus, não está na autoafirmação, mas na autoentrega.

Há, então, uma dimensão escatológica profunda nesse ensinamento. A humildade e o serviço, que parecem ser expressões de fragilidade e pequenez aos olhos do mundo, são, na verdade, antecipações do Reino que virá. No fim dos tempos, quando o Cristo glorioso vier para julgar os vivos e os mortos, será revelada a verdade última de todas as coisas: o poder será despojado, a vaidade será exposta, e os humildes, os pequenos, aqueles que em vida serviram e se doaram, serão exaltados. Isso nos faz recordar as palavras de Jesus no Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3).

Esse esvaziamento de si, que encontra sua maior expressão na cruz, é também o caminho de redenção para toda a criação. A teologia paulina fala do gemido da criação, aguardando a revelação dos filhos de Deus (cf. Rm 8,19-23). E quem são esses filhos de Deus? São aqueles que, à imagem de Cristo, se tornam pequenos, humildes, servos. Ao fazer-se menor, o ser humano participa da lógica do Reino e se une à obra redentora de Cristo, colaborando na restauração de todas as coisas. A criação, que jaz sob o jugo do pecado e da corrupção, será redimida pela humildade dos filhos de Deus, que se manifestam na fragilidade e no serviço.

O ensinamento de Jesus também nos convida a uma interessante reflexão filosófica sobre o conceito de poder. O poder, no Reino de Deus, não se exerce pela dominação, mas pela entrega. Isso inverte toda a lógica do poder segundo a filosofia política clássica. Enquanto Platão e Aristóteles, por exemplo, viam o poder como um meio para ordenar e governar, Jesus revela um novo modo de poder: o poder de amar, de perdoar e de se doar inteiramente. Esse é o verdadeiro poder que permanece para a eternidade.

Por fim, essa passagem nos prepara para o horizonte escatológico, como eu disse anteriormente. Na eternidade, aqueles que neste mundo se fizeram pequenos, que assumiram a sua cruz e seguiram Jesus no caminho do serviço, serão aqueles que reinarão com Ele. A humildade não é apenas uma virtude moral; é uma preparação para o Reino vindouro, onde os últimos serão os primeiros (cf. Mt 20,16), e onde o menor de todos, aquele que serviu a todos, será verdadeiramente o maior.

Que possamos, então, aprender de Cristo essa solene lição: a verdadeira grandeza está em nos tornarmos pequenos, em abraçarmos a humildade e o serviço como vias para a plenitude do nosso ser, e, assim, nos unirmos ao Cristo, que se fez servo para nos elevar à glória eterna.

Que assim seja, para a maior glória de Deus!


Mons. Henrique Gänswein, PA

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30 de setembro de 2024
Homilia: 001

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