HOMILIA DIÁRIA
LUCAS 10,13-16
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Quem me rejeita, rejeita
aquele que me enviou.

Caríssimo irmãos,
Paz e bem!

Hoje, celebramos a memória litúrgica de são Francisco de Assis, que, sem dúvidas, é um dos santos mais conhecidos e amados na história da Igreja, que, com uma vida simples e desapegada, nos ensina sobre o Evangelho de Cristo de uma forma diferente, de uma forma real. Ao refletirmos agora sobre a “perfeita alegria”, esta que nos foi citada na oração coleta, somos convidados a observar um mistério que deixa nossa compreensão humana, de certa forma, intrigada.

O Evangelho de hoje, retirado de Lucas (10,13-16), nos apresenta uma advertência de Jesus às cidades de Corazim, Betsaida e Cafarnaum, que testemunharam seus milagres, mas não se converteram. Cristo os adverte sobre a dureza de seus corações, incapazes de reconhecer o dom da presença de Deus em suas vidas. Diz, o Senhor: “Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita.”

Este mesmo Evangelho se mostra fortemente na vida de Francisco de Assis, que, em sua radical pobreza e desprendimento, reconheceu a presença de Deus nas coisas pequenas, nos pobres, no sofrimento e, sobretudo, na Cruz. A verdadeira alegria, segundo Francisco, não está nas grandes obras visíveis, nos milagres extraordinários ou nos dons espirituais que, por si só, poderiam nos encher de orgulho ou autossuficiência. Francisco nos ensina que a perfeita alegria está, na verdade, em algo que muitas vezes rejeitamos: a tribulação.

Voltemos à história que narra o diálogo entre São Francisco e Frei Leão, que também escutaremos no canto de comunhão:

“Certa vez, durante uma caminhada em um inverno rigoroso, São Francisco e Frei Leão, voltando de Perusa, seguiam para o convento de Santa Maria dos Anjos. Francisco, observando Frei Leão, que seguia à sua frente, chamou-o e disse: “Irmão Leão, ainda que um frade menor realizasse grandes obras de santidade e milagres, como curar enfermos ou ressuscitar mortos, isso não é a perfeita alegria.”

Caminharam mais um pouco, e Francisco continuou: “Mesmo que soubesse todas as línguas e ciências, ou tivesse o dom de profecia e pregasse tão bem que convertesse todos os infiéis, nisso também não está a perfeita alegria.”

Surpreso, curioso, intrigado, raivoso e mais um pouco, Frei Leão finalmente perguntou: “Mas então, seráfico pai! Diga-me, pelo amor de Deus onde está a perfeita alegria?” Francisco respondeu: “Quando chegarmos ao nosso convento, sujos, cansados e famintos, e o porteiro nos rejeitar, nos insultar, nos xingar e nos deixar na neve, se aceitarmos tudo com paciência e sem nos queixarmos, aí está a perfeita alegria. Se continuarmos a nos humilhar pedindo para entrar e o porteiro então sair com um bastão e nos bater até cairmos em pranto, mas permanecermos em paz, aí encontramos a perfeita alegria. A maior graça é suportar as tribulações com humildade, lembrando-nos de Cristo e do que Ele sofreu por nós.”

A verdadeira alegria, portanto, Frei Leão, não está em grandes obras ou dons, mas em aceitar as tribulações e dificuldades com serenidade, humildade e fé, confiando em Deus, sendo, talvez, Ele quem tal faz, e que, estas tribulações, imitam a Jesus.”

O que Francisco nos revela aqui é o profundo mistério da cruz. A alegria que ele descreve não é uma alegria mentirosa ou momentânea, centrada nas circunstâncias externas ou nos êxitos de nossas obras, mas uma alegria que brota do íntimo do coração de quem se conforma com Cristo crucificado. É a alegria que nasce da paciência diante do sofrimento, da aceitação da rejeição, da humildade que reconhece que, mesmo nas maiores tribulações, Deus está presente. Francisco não buscava sofrimento por si mesmo, mas via no sofrimento uma oportunidade de se unir mais intimamente ao Cristo que foi rejeitado e crucificado por amor a nós.

Aqui, amados irmãos, está o cerne central: a perfeita alegria, para Francisco, é a capacidade de se vencer a si mesmo, de superar o orgulho, o desejo de ser reconhecido, a necessidade de conforto e aprovação de todos. Francisco de Assis nos mostra que a verdadeira liberdade e alegria vêm quando deixamos de lado o nosso “eu” e abraçamos a cruz com amor, vendo em cada dificuldade uma ocasião de santificação e união com o sofrimento redentor de Cristo.

No Evangelho de hoje, Jesus fala das cidades que não se converteram, mesmo após terem presenciado tantos sinais. Como essas cidades, muitas vezes também nós buscamos sinais e milagres externos para nos convencer da presença de Deus. No entanto, são Francisco nos ensina que a verdadeira conversão do coração não vem de sinais exteriores, mas de um profundo encontro interno com Cristo na cruz. A perfeita alegria é fruto dessa conversão interior, onde aprendemos a reconhecer que Deus está presente não unicamente nos milagres e momentos de alegrias humanas, mas, sobretudo, nas dificuldades e no silêncio das pequenas e grandes cruzes da vida.

Essa alegria, irmãos, é um dom do Espírito Santo, que nos fortalece para suportar as provações com paciência e paz. Como Paulo nos lembra em sua carta aos Coríntios: “Que tens tu que não o haja recebido de Deus? E se recebeste dele, por que te glorias?” A verdadeira glória, portanto, não está em nossos dons e feitos, mas em nossa capacidade de nos unirmos a Cristo na cruz, aceitando com humildade e gratidão tudo, absolutamente tudo, o que Ele nos permite viver, seja alegria ou dor.

Na vida do seráfico pai, são Francisco, vemos claramente este exemplo. Francisco se tornou um ícone de alegria, não porque evitava o sofrimento, mas porque o abraçava com fé e amor. A vida deste homem, exemplificada pela pobreza voluntária (pois era de família rica), pelo serviço aos pobres, pela pregação do Evangelho com simplicidade e, por vezes, sem usar de palavras, é um reflexo daquilo que ele chamava de “perfeita alegria”. Mas, então, o que seria para nós essa perfeita alegria? conformidade total com Cristo é a perfeita alegria.

Queridos irmãos, ao celebrarmos a memória de são Francisco de Assis, somos convidados, por fim, a olhar para nossas próprias vidas e a perguntar: onde estamos buscando a verdadeira alegria? Será que temos colocado nossa alegria nos feitos, nos sucessos, no reconhecimento, nos dons? Ou será que conseguimos, como Francisco, ver a alegria nas pequenas e grandes cruzes que carregamos, aceitando-as como oportunidades de união com o Cristo de Deus?

Peçamos hoje a intercessão de são Francisco para que possamos, em nossa caminhada de fé, buscar a perfeita alegria não nas coisas passageiras deste mísero e dilacerado mundo, mas na conformidade com o amor de Cristo, que abraçou a cruz por nós. Possamos reconhecer sempre, nas provações do dia a dia, a oportunidade de crescer em santidade, de nos desprender de nós mesmos, e de encontrar a verdadeira alegria que vem somente de Deus.

Que assim seja, amém!


Mons. Henrique Gänswein

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04 de outubro de 2024
Homilia: 004

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